E se Os Guardiões da Galáxia tivessem nascido no Nordeste brasileiro e navegassem por um universo com a alma de Star Wars? Essa é uma maneira de se aproximar do que é A Vida e as Mortes de Severino Olho de Dendê, do escritor baiano, Ian Fraser, mas a verdade é que essa definição não dá conta de tudo que o livro entrega.
O protagonista, Severino, é um soldado da Federação Setentrional que vê sua vida mudar drasticamente depois de uma explosão durante uma investigação. Para sobreviver, partes de seu corpo são substituídas por componentes cibernéticos, transformando-o em algo além de humano. Ao lado de Bonfim, um puiuiú caçador de recompensas alienígena, ele mergulha em uma jornada que, à primeira vista, pode lembrar Star Wars. Mas essa semelhança para por aí. O que está por trás das viagens intergalácticas é uma narrativa que traz questões profundamente terrenas — e, acima de tudo, brasileiras.
Determinados a retomar a investigação que quase custou a vida de Severino, os dois mergulham em uma trama repleta de ação com uma dinâmica que remete à esperteza e ao humor afiado de João Grilo e Chicó, de O Auto da Compadecida.
"Grana pode não ser tudo, mas é meio caminho andado. Ser alguém neste mundo vem com uma etiqueta de preço cravada no rabo, meu rei. Uma hora ou outra, você paga pela fome que tem."(Pág. 30)
No caminho, conhecemos personagens marcantes, como Filomena, uma terráquea destemida e amor impossível de Severino, que integra as “Paladinas do Sertão”, um grupo revolucionário de mulheres em conflito direto com a Federação. E há ainda Antonieta, uma capivara geneticamente modificada que adiciona um toque inusitado à narrativa.
Embora o gênero de ficção científica tenha raízes estrangeiras, Ian Fraser imprime uma identidade genuinamente brasileira à obra. Isso transparece nos cenários, nos personagens e, principalmente, na linguagem. Os diálogos são cheios de expressões do dia a dia, tornando as interações naturais e próximas da nossa realidade. É fácil imaginar essas conversas acontecendo em uma mesa de bar.
A trama também traz diversas críticas sociais, abordando questões latentes do nosso país de forma consistente, porém com leveza, preservando o tom que caracteriza toda a história.
Essa obra é um convite para passear pelo que há de mais vibrante na cultura brasileira, unindo literatura e música em uma narrativa pulsante. A trilha sonora, aliás, é mais do que um pano de fundo, ela se entrelaça com a trama, dando significado a momentos essenciais da história. Do pagode baiano ao rock e à MPB, passando por É o Tchan, Raul Seixas e Gilberto Gil, a música não apenas embala, mas dá alma ao enredo, tornando cada cena ainda mais viva. Além disso, ao longo da leitura, nos deparamos com referências a Machado de Assis, Clarice Lispector e outros gigantes da literatura brasileira, enriquecendo a experiência de leitura e aproximando essa aventura do que nos é tão familiar.
Nota: ☕︎☕︎☕︎☕︎☕︎
Autor(a): Ian Fraser
Ano: 2022
Editora: Intrínseca
Páginas: 302
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