Celina acorda em um lugar completamente escuro, frio e desolado. Ao olhar ao redor, ela se depara com dezenas de corpos, sem saber como foi parar ali. Quando observa o próprio corpo, percebe que está coberto de cicatrizes e queimaduras. Tentando se lembrar do que aconteceu, tudo o que lhe vem à mente são vagas lembranças de um incêndio, no qual tentou salvar seu gato.
É, então, que um homem surge, interrompendo seus devaneios. E ele simplesmente é a Morte. A partir daí, ele inicia jogos para decidir quem, entre aquelas almas perdidas, terá a chance de ir para o céu.
A Morte é um homem cruel, arrogante, manipulador, frio e… extremamente intrigante, cercado por uma aura de mistério. No entanto, ao longo da história, percebemos que, apesar da sua perversidade (o que mais esperar da Morte, não é mesmo?), existe uma espécie de doçura nele, principalmente em relação a Celina. E é claro que os dois se apaixonam.
Contudo, embora a Morte revele esse lado quase humano, ele continua sendo um ser egoísta e vil. Cabe ao leitor decidir o que pensar sobre um personagem com uma dualidade tão marcada.
Já Celina é uma artista nata. Uma garota curiosa e determinada. Lida com sérios problemas de autoestima, que não se limitam às marcas das queimaduras. São questões profundas, que vêm da vida terrena. Ela precisou amadurecer cedo demais, assumir responsabilidades que não eram suas e se anular após a morte do pai, quando a mãe entrou em declínio por conta das drogas. A relação entre as duas se tornou torturante. A mãe tratava Celina com insensibilidade, fazendo com que a filha se sentisse cada vez menor.
Sendo esse um dos temas centrais do livro: o abandono parental, já que a mãe de Celina é completamente negligente e viciada, o que gera grandes traumas na protagonista. Esse sofrimento em vida se torna o combustível de Celina para vencer os jogos e poder, finalmente, viver em paz no paraíso. Ou, então, sofrerá pela eternidade no sombrio e nefasto Abismo.
Nessa jornada de jogos cruéis e desumanos, Celina tem a ajuda de Kaira, uma garota gentil e sonhadora que adora livros. Ambas se apoiam para conseguirem sobreviver aos jogos (sim, há outros jeitos de morrer já estando morto e é disso que elas tentam fugir).
Será que Celina vai conseguir ir ao tão sonhado paraíso?
Gostei bastante da escrita da Ariani Castelo. O único problema, na minha opinião, é que muitos acontecimentos se desenrolam rápido demais e, às vezes, até de forma um pouco mal explicada por conta dessa correria. Acredito que isso se deva ao fato de o livro ter apenas 256 páginas.
Particularmente, penso que é muito difícil desenvolver uma fantasia em menos de 300 páginas. Esse gênero exige uma ambientação bem construída, uma boa apresentação do mundo em que estamos conhecendo e, na maioria dos casos, são histórias qe seguem a famosa jornada do herói — estrutura que pede um desenvolvimento mais lento, que permita ao leitor acompanhar a evolução dos personagens.
Essa não é uma crítica às escolhas da autora, e sim uma percepção minha como leitora: senti que faltaram algumas páginas para que a história tivesse uma estrutura ainda mais sólida.
Por exemplo, o romance entre a Morte e Celina parece um pouco jogado, sem construção suficiente. Vi alguns leitores comentando que isso se justifica no final, mas eu não concordo. Se o romance tivesse mais desdobramentos ao longo do livro, o plot twist final teria muito mais força e impacto.
Faltou, ao meu ver, um encadeamento de acontecimentos que construísse esse romance, para que, no desfecho, pudéssemos realmente sentir o que a Celina estava sentindo. Afinal, o cerne desse plot é algo revoltante, mas não me causou a indignação que eu gostaria de ter sentido.
Dito isso, queria ter saboreado melhor a história. A pressa no desenvolvimento acabou tirando um pouco da minha imersão. Queria ter visto mais da Morte, do envolvimento entre os dois, e também ter ficado mais tensa durante os jogos que, aliás, me lembraram bastante os filmes 'Jogos Mortais'.
Por outro lado, preciso destacar o quanto o conceito do plot é bom. Justamente por isso, acredito que um desenvolvimento maior teria dado ainda mais peso à história. Sinceramente, eu nunca tinha visto nada parecido em outros livros.
Também admiro a coragem da autora ao entregar um final aberto, especialmente considerando que ela já afirmou que não haverá continuação. É uma escolha arriscada, pois muita gente detesta finais em aberto (embora outras amem). Do jeito que foi feito aqui, eu gostei, pois deu espaço para minha imaginação continuar a história. Parabéns à Ariani Castelo por essa decisão.
No fim, minha nota é 3 cafezinhos e meio, principalmente por conta das questões ligadas ao desenvolvimento. Ainda assim, recomendo a leitura. É uma boa fantasia nacional, que diverte e nos deixa com aquela sensação de que queríamos ter lido mais.
Nota
O Abismo de Celina
Autor(a): Ariani Castelo
Ano: 2024
Editora: Rocco
Páginas: 256

Autor(a): Ariani Castelo
Ano: 2024
Editora: Rocco
Páginas: 256
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